sábado, 26 de março de 2016

0,50 centavos de Grécia Antiga: O sensual Hermes e as folhas de cacau.

Por Jacquelyne Queiroz

      Estava subindo as escadarias de um prédio em Ilhéus (Sul da Bahia) quando vejo um painel com mais de dois metros de altura. Pela posição do prédio e por ser fim de tarde o vitral estava especialmente iluminado fazendo as figuras que o compunham saltarem aos olhos de quem passava.
Parei durante uns instantes e no meio daquele colorido bonito vi a imagem de um jovem em meio as árvores. Logo percebi que o rapaz estava usando um capacete com asas, sandálias aladas e portando um caduceu (cajado). Reconheci o jovem como o deus Hermes, mas logo me perguntei: O que que Hermes está fazendo aqui nu, sensualizando atrás dessas folhas de cacau?
            E assim constatei que o pé de cacau por aqui poderia me dar mais que chocolate, pois nele encontrei 0,50 centavos de Grécia Antiga.
            Zeus se encontrava com a ninfa Maia enquanto a sua esposa Hera dormia. Desses encontros amorosos nasceu Hermes que tinha dentre as suas características ser multiardiloso. Serra (2006, p. 189) nos fala que multiardiloso nesse sentido pode significar alguém que é multiversátil, muito astuto, que sempre encontra um jeitinho de sair dos problemas, sabe fabricar soluções ou seja, aquele que sabe “dar a voltar por cima” em alguma situação difícil.
            Outra característica de Hermes é que ele é célere (H. H., XVIII, 3), ou seja rápido. Ele era tão danado que nasceu de manhã, meio dia inventou citara e à noite roubou as vacas de Apolo (H. H., IV, 17-20). Ainda usando fraldas, Hermes ao roubar as vacas faz para si uma sandália em que a direção dos pés fiquem ao contrário e envolto em folhas (H.H., IV, 77-82) para despistar quem o procurasse.
            A parte cômica da narrativa é imaginar Apolo forte e com porte atlético segurando um bebê recém nascido nos braços, falando sério e bravo, acusando Hermes bebê de roubo. Enquanto Hermes todo irônico pergunta a Apolo se ele lhe parecia ser robusto para poder roubar (H.H., IV, 265-269).
            Apesar de Hermes ser um bebê, com palavras ardilosas, ele tenta enganar Apolo, negando até o fim que não roubou as vacas. Zeus, seu pai, exige que Hermes mostre onde estão as vacas a Apolo e assim é feito. Para aplacar a ira de Apolo, Hermes negocia com ele a lira que tinha inventado naquele mesmo dia, ficando Apolo muito contente com o instrumento musical. O deus da beleza ainda diz a Hermes que ele seria o deus estabelecedor das “artes da troca” entre os homens (H.H. ,IV, 517) e ainda o presenteou com o caduceu.
            Hermes é sempre representado moço e sem barba (Odisseia, X, 277-279) e também gosta de estar longe das batalhas (Ilíada, XX, 35). Até porque a guerra prejudica em muito o andamento do comércio.
            Essa imagem estava justamente no prédio da Associação Comercial de Ilhéus que foi construído em 1934. Nesse período o comércio da cidade era muito próspero por conta do cultivo de cacau (a cidade foi uma das maiores produtoras do mundo durante muitos anos). Fiquei muito feliz com a coerência, não haveria melhor lugar na cidade para Hermes morar.
Até aqui consegui entender porque o Hermes retratado no vitral é jovem e está carregando o caduceu (presente de Apolo), mas ainda não compreendi muito bem porque o deus do comércio e da eloquência está nu. Acredito que se ele visse essa homenagem... sensualizando... acho que ficaria com vergonha de ser as suas vergonhas sendo escondidas com os galhos de um cacaueiro.

REFERÊNCIAS:
HOMERO. Hino Homérico IV: A Hermes (versão bilíngue). Tradução e notas de Ordep Serra. São Paulo: Odysseus, 2006.
______. Hinos Homéricos I e do VI ao XXXIII (versão bilíngue). Tradução e notas de Luiz Alberto Machado Cabral. São Paulo: Odysseus, 2010.
______. Ilíada (versão bilíngue). v. 2. Tradução Haroldo de Campos. São Paulo: Arx, 2002.
______. Odisseia (versão bilíngue). Tradução, posfácio e notas de Trajano Vieira. São Paulo: 34, 2012.
SERRA, Ordep. Notas. In: HOMERO. Hino Homérico IV: A Hermes. (Tradução, introdução, estudos e notas de Ordep Serra). São Paulo: Odysseus, 2006, p. 179-232.

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