Por Jacquelyne Queiroz
Os deuses gregos continuam marcando a sua presença por
aqui. Inclusive em um supermercado, onde encontrei um café com nome de Orfeu e
assim logo percebi que tinha encontrado 0,50
centavos da Grécia antiga entre nós.
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Orfeu era filho da deusa Calíope e teve como professor
de música o deus Apolo. O héroi sempre andava acompanhado de sua lira e com ela
compunha canções tão inebriantes que as árvores se reuniam em torno dele e os
animais selvagens se tornavam mansos (Eurípedes, Bacas, v. 559-563). Também as aves voavam sem parar ao seu redor e
os peixes saiam das profundezas para vê-lo cantar (KERÉNYI, 2015, p. 258).
O poeta
latino Ovídio ao recontar o mito de Orfeu diz que a sua esposa Eurídice morre
ao ser picada por uma serpente. Orfeu não aceita o destino de sua esposa, louco
de paixão, resolve sozinho descer ao mundo dos mortos para trazer de volta
Eurídice. Chegando lá, o heroi com sua lira e com o seu canto fez todo o
Tártaro parar para ouvi-lo. Hades, Perséfone e todos os fantasmas choraram
comovidos pela canção e pelo seu desejo em reaver a amada. (Ovídio, Metaformoses, X, 9-48).
Tenho para
mim, que os deuses e os seres cediam aos desejos de Orfeu porque a sua música
os seduziam, assim como o cheiro do café faz com os mortais. O seu aroma me
seduz, me faz obedecê-lo. Saio de onde estiver para seguir o cheiro do café,
assim como as árvores, aves e peixes seguiam Orfeu. Após enfrentar a selvageria do
cotidiano, diante do café fico pacata e dócil, assim como os animais ferozes se
comportavam diante das melodias prazeirosas do aedo.
Imagino qual
seria o rito para Orfeu iniciar a sua cantoria. Acredito que depois de
banhar-se com água do mar e folhas de louro, deveria respirar fundo pedindo a
inspiração e a presença de Apolo e das Musas, para em seguida empunhar com delicadeza
a sua lira e finalmente cantar, entregando-se ao êxtase do som. Assim como
Orfeu, tenho rito para tomar meu café, pois vigio a água no fogo até apresentar
as primeiras bolhas da ferfura ideal para coar o pó com cautela e ser tomada
pelo aroma deste feito. Embreagada ainda com o seu cheiro escolho uma xícara de
porcelana leve, com borda e alça fina. Já servida, sento-me diante dela,
comtemplo a sua beleza e simplicidade. De gole em gole, me rendo ao café
prazeiro e sedutor.
Obsevando
bem, compreendendo porque um café pode levar o nome de Orfeu. O herói por
paixão, se aventurou descer ao mundo dos mortos em busca de Eurídice. Por
paixão também, escondo o meu melhor café nas partes mais sombrias de meu
armário e sempre deixo diponível para as visitas (inclusive para a minha
própria mãe) um café de baixa qualidade (como falam os baristas). Mas faço isso
de maneira discreta, ninguém percebe que somente em minha xícara está “O Café”.
Confesso que não tenho a bondade ou a generosidade para dividir o meu amor, o
meu tesouro.
Por golpe do
destino, minha mãe descobriu o meu esconderijo de cafés. Em troca de seu
perdão, compartilhei com ela a minha paixão. Mas percebi que talvez Orfeu a
seduziu também, porque hoje tenho a sua compreensão ao servir as visitas e
deixar “O Café” para tomarmos sozinhas.
Referências:
EURÍPEDES.
Bacas. Tradução de Jaa Torrano.
Versão bilíngue grego/português. São Paulo: HUCITEC, 1995.
KERÉNYI,
KARL. A mitologia dos gregos: a
história dos heróis. v II. Petrópolis: Vozes, 2015.
OVÍDIO.
Metamorfoses. Tradução de Domingos
Lucas Dias. Versão bilíngue latim/português. São Paulo: 34, 2019.