Por Jacquelyne Queiroz
Estava
subindo as escadarias de um prédio em Ilhéus (Sul da Bahia) quando vejo um
painel com mais de dois metros de altura. Pela posição do prédio e por ser fim
de tarde o vitral estava especialmente iluminado fazendo as figuras que o
compunham saltarem aos olhos de quem passava.
Parei
durante uns instantes e no meio daquele colorido bonito vi a imagem de um jovem
em meio as árvores. Logo percebi que o rapaz estava usando um capacete com
asas, sandálias aladas e portando um caduceu (cajado). Reconheci o jovem como o
deus Hermes, mas logo me perguntei: O que que Hermes está fazendo aqui nu,
sensualizando atrás dessas folhas de cacau?
E assim constatei que o pé de cacau
por aqui poderia me dar mais que chocolate, pois nele encontrei 0,50 centavos de Grécia Antiga.
Zeus se encontrava com a ninfa Maia
enquanto a sua esposa Hera dormia. Desses encontros amorosos nasceu Hermes que
tinha dentre as suas características ser multiardiloso. Serra (2006, p. 189)
nos fala que multiardiloso nesse sentido pode significar alguém que é
multiversátil, muito astuto, que sempre encontra um jeitinho de sair dos
problemas, sabe fabricar soluções ou seja, aquele que sabe “dar a voltar por
cima” em alguma situação difícil.
Outra característica de Hermes é que
ele é célere (H. H., XVIII, 3), ou
seja rápido. Ele era tão danado que nasceu de manhã, meio dia inventou citara e
à noite roubou as vacas de Apolo (H. H.,
IV, 17-20). Ainda usando fraldas, Hermes ao roubar as vacas faz para si uma
sandália em que a direção dos pés fiquem ao contrário e envolto em folhas (H.H., IV, 77-82) para despistar quem o
procurasse.
A parte cômica da narrativa é
imaginar Apolo forte e com porte atlético segurando um bebê recém nascido nos
braços, falando sério e bravo, acusando Hermes bebê de roubo. Enquanto Hermes
todo irônico pergunta a Apolo se ele lhe parecia ser robusto para poder roubar
(H.H., IV, 265-269).
Apesar de Hermes ser um bebê, com
palavras ardilosas, ele tenta enganar Apolo, negando até o fim que não roubou
as vacas. Zeus, seu pai, exige que Hermes mostre onde estão as vacas a Apolo e
assim é feito. Para aplacar a ira de Apolo, Hermes negocia com ele a lira que
tinha inventado naquele mesmo dia, ficando Apolo muito contente com o
instrumento musical. O deus da beleza ainda diz a Hermes que ele seria o deus
estabelecedor das “artes da troca” entre os homens (H.H. ,IV, 517) e ainda o presenteou com o caduceu.
Hermes é sempre representado moço e
sem barba (Odisseia, X, 277-279) e
também gosta de estar longe das batalhas (Ilíada,
XX, 35). Até porque a guerra prejudica em muito o andamento do comércio.
Essa imagem estava justamente no
prédio da Associação Comercial de Ilhéus que foi construído em 1934. Nesse
período o comércio da cidade era muito próspero por conta do cultivo de cacau
(a cidade foi uma das maiores produtoras do mundo durante muitos anos). Fiquei
muito feliz com a coerência, não haveria melhor lugar na cidade para Hermes
morar.
Até
aqui consegui entender porque o Hermes retratado no vitral é jovem e está
carregando o caduceu (presente de Apolo), mas ainda não compreendi muito bem
porque o deus do comércio e da eloquência está nu. Acredito que se ele visse
essa homenagem... sensualizando... acho que ficaria com vergonha de ser as suas
vergonhas sendo escondidas com os galhos de um cacaueiro.
REFERÊNCIAS:
HOMERO.
Hino Homérico IV: A Hermes (versão
bilíngue). Tradução e notas de Ordep Serra. São Paulo: Odysseus, 2006.
______.
Hinos Homéricos I e do VI ao XXXIII (versão
bilíngue). Tradução e notas de Luiz Alberto Machado Cabral. São Paulo:
Odysseus, 2010.
______.
Ilíada (versão bilíngue). v. 2.
Tradução Haroldo de Campos. São Paulo: Arx, 2002.
______.
Odisseia (versão bilíngue).
Tradução, posfácio e notas de Trajano Vieira. São Paulo: 34, 2012.
SERRA,
Ordep. Notas. In: HOMERO. Hino Homérico
IV: A Hermes. (Tradução, introdução, estudos e notas de Ordep Serra). São
Paulo: Odysseus, 2006, p. 179-232.